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Rússia - Portugal: história das relações desde século XV

Ainda hoje se pode encontrar na Rússia pessoas com o nome Portugalov. Na opinião dos linguistas, a sua procedência tem, na verdade, raízes lusitanas. Tratava-se de judeus que fugiram de Portugal depois do rei D. Manuel I ter começado em 1494 uma campanha de expulsão dos judeus do país.

Os primeiros dados confirmados documentalmente, sobre a chegada de migrantes portugueses à Rússia, remontam aos finais do século XV. No século XIX, o Czar Alexandre II obrigou os judeus a mudar os seus nomes tradicionais para nomes cristãos. Alguns decidiram ligar os seus nomes ao país de sua procedência. Assim surgiram os Portugalov na Rússia.

O vivo interesse pela Rússia e tudo o que se relaciona com o “distante império nórdico” que já existia em Portugal nos tempos do Rei D. João V . Por exemplo, pelos documentos encontrados no arquivo do museu, soube-se que D. João V ordenou pessoalmente o envio de uma delegação de ministros à Rússia, que foi recebida com grandes honras pela corte imperial. Documentos do Arquivo Diplomático de política externa da Rússia, mostram que o burgo Mafra era conhecido na Rússia já em meados do século XVIII e, o que é curioso, graças às propriedades curativas da sua terra, e não por se encontrar ali o Palácio da família real. A 23 de Junho de 1770, o príncipe russo Dimitry Golitsin (1734 - 1803), embaixador da Rússia na Holanda, enviou uma carta a logan Borshers, cônsul geral desse país, com um pedido invulgar. “Ele (Marquês de Pombal) encontra-se em Mafra, na terra cuja acção é curar tumores malignos”, escrevia o diplomata. “Ficar-lhe- ia extremamente agradecido, se o Senhor conseguisse uma boa quantidade dessa terra. Tenha a amabilidade de a colocar num baú de ferro, soldá-lo em seguida num de madeira e enviá -lo por mar para o meu endereço”. Nos arquivos russos não foram encontrados, lamentavelmente, documentos que comprovem se Borshers cumpriu ou não a sua missão.

Rússia - Portugal: história das relações

As relações russo-portuguesas, que no seu conjunto foram pouco estudadas, sobretudo as ligações culturais, merecem ocupar um lugar na história europeia.

“Os vestígios portuguêses” nos arquivos russos

Os primeiros dados sobre Portugal em documentos russos surgem nos séculos XV-XVI, e estão relacionados com o agravamento da luta contra a sua hegemonia no transporte por via marítima, de especiarias orientais, após a descoberta por Vasco da Gama do caminho marítimo para a índia. Sabe-se de fonte fidedigna que uma missão de Génova chega em 1521 à corte de Vassily III. Os diplomatas tentaram atrair o czar russo para a sua nova estratégia: privar Portugal dos direitos exclusivos neste tipo de comércio. Pois antes da expedição de Vasco da Gama, as especiarias e outras mercadorias do Oriente chegavam à Europa através do Golfo Pérsico, do rio Eufrates e do Mar Negro ou através do Golfo Pérsico, do rio Nilo e do Medi-terrâneo.

Nas crónicas de Nicone diz-se que o capitão Paolo de Génova, portador de credenciais do Papa Leo X e do magistrado alemão Alberto, chegara a Moscovo para obter junto do czar russo a autorização para abrir uma rota comercial terrestre para o Industão através do território da Rússia. Segundo Nicone, “o visitante de Génova tentou persuadir os nossos boiardos de que em poucos anos enriqueceríamos e os cofres reais se encheriam de ouro com os impostos recebidos”. No entanto, Vassily não se deixou convencer, porque não desejava revelar as suas rotas comerciais no território russo aos estrangeiros.

Os documentos arquivados provam também que na corte russa se seguia com muita atenção as viagens e descobertas dos marinheiros portugueses. Nas décadas de 30-40 do século XVI, o escritor e tradutor russo, de origem grega, Máxime Grek, escreveu nas suas crónicas sobre a descoberta pelos navegadores portugueses, chefiados por Afonso de Albuquerque, das ilhas Molucas, famosas pelas suas especiarias, em 1515: “...eles descobriram muitas ilhas, algumas habitadas, outras - não”. Algumas dessas ilhas ricas, com elevada densidade populacional, foram conquistadas, outras (Sumatra e Java) ficaram voluntariamente a pertencer a Portugal.

Por ora não foram ainda descobertas provas convincentes da existência de trocas comerciais entre os dois países nessa época. Abreviando, assinalamos que se considera o mercador Manuel Pinto da Paiva Garça o pioneiro das relações comerciais bilaterais: ele partiu em 1755 do Porto em “exploração” para o país distante. Dez anos depois atracou em Lisboa o primeiro navio russo pertencente ao comerciante Mi khail lakovlev. Trouxe para o fim da Europa ferro fundido, peles, tecidos, linho e cera siberianos. No entanto, sabe-se ao certo que o “português” - moeda de ouro cunhada pelo rei português D. Manuel I, era tão valorizada na corte russa que Ivan, o Terrível, a utilizava como prémio aos boiardos por méritos na guerra.

Os diplomatas e viajantes russos que vinham à Europa levavam também para Moscovo informações sobre Portugal. Por exemplo, Afanassy Rezanov, sendo representante russo na corte do imperador alemão Rodolfo II, comunicou ao seu país a 26 de Julho de 1581 a notícia sobre a perda da independência de Portugal: “O Rei espanhol apoderou-se da Corte Portuguesa e fez-se dono dessa terra”. A corte russa recebe em 1582 cartas ainda mais substanciais dos seus enviados em Viena e em Roma: “O rei português (D. Sebastião) pereceu em terras árabes. O rei morto era familiar do espanhol, o Rei Filipe, e não havia mais ninguém, além de Filipe, para herdar as terras portuguesas”.

Referências sobre Portugal surgem de novo em documentos russos em 1685, quando o Czar Pedro ordena ao seu escrivão Ivan Volkov, de partida para Veneza, que recolhesse informações, inclusive, “sobre o Reino Português”. A “Gazeta de Lisboa” começou a publicar em 1715 notícias sobre a Rússia, baseadas em informações recebidas de Hamburgo e dos países escandinavos.

O Marquês de Pombal e a Rússia

O Marquês de Pombal, primeiro ministro do governo português é, na reali dade, o dirigente do país ao longo de 30 anos (1750 -17 77), foi uma das figuras mais notáveis do iluminismo europeu. Usufruindo de confiança ilimitada do fraco e débil Rei D. José I, realizou reformas radicais direccionadas, inclusive, contra a igreja católica em geral e contra a Ordem dos Jesuítas, em particular.

Em que medida se pode falar sobre a presença pombalina na Rússia? As relações diplomáticas entre a Rússia e Portugal foram estabelecidas (por iniciativa da Rússia) já depois da demissão do todo-poderoso ministro, em Outubro de 1779, quando Catarina II designou como seu ministro representante em Lisboa o conde Nesselrod. A propósito, um ano antes, a corte portuguesa tinha enviado o seu emissário Francisco Machado a São Petersburgo. Ele foi forçado a traduzir as suas credenciais em francês, porque em toda a capital do Império Russo não havia uma só pessoa que entendesse português. Mesmo assim, os acontecimentos relacionados com a governação do Marquês de Pombal, não eram desconhecidos na Rússia. Mas, o que mais impressionou o público russo foi, sem dúvida, o terramoto de 1 de Novembro de 1775 em Lisboa, que se tornou tema de numerosas prédicas (uma das mais conhecidas foi a prédica do Bispo Gedeon Kritshevsky). Isso incentivou a Imperatriz Elisabete a oferecer madeira ao rei português para reconstruir a capital.

Na Rússia havia também conhecedores das questões portuguesas. Entre os seguidores do iluminismo não era raro o interesse pela actividade do Marquês de Pombal. O enviado russo em Madrid nos anos de 1767 - 1771, Barão O.M. Shtakelberg, era um caloroso partidário do reformador português. Nos seus relatórios faz grandes referências, frequentemente exageradas, dos sucessos de Pombal nas mudanças do Reino Português e da sua transformação num país europeu próspero com uma frota e exército combativos, com poderosas fortalezas, etc. Um quadro completamente diferente vê Shtakelberg, na “atrasada” Espanha, cujas chances de vitória num confronto armado com Portugal de Pombal ele avalia com grande cepticismo. O interesse da elite russa por Portugal é provado também pelas visitas de aristocratas exactamente no período de governação do Marquês de Pombal, encontro que se considerava um acontecimento de nota na vida de qualquer futuro dirigente estatal. Portugal foi visitado pelo príncipe Mechersky, o príncipe lussupov, o jovem conde Vorontsov. A última circunstância é sobretudo significativa, porque a família Vorontsov era muito chegada ao Dr. Sanches, uma importante figura do ilu-minismo tanto russo como português, sendo nesse período conselheiro dos governos português e russo. A circunstância do futuro chanceler A. P. Vorontsov ter começado por Portugal a sua viagem à Europa, poderá reflectir a influência do Dr. Sanches.

Finalmente, o Portugal Pombalino tinha na Rússia um outro propagandista - uma figura muitíssimo original. Tratava-se de Fiodor Emin, natural do Império Otomano, no passado combatente turco e, posteriormente, um famoso homem das letras. Durante as suas deambulações, chegou ao território de Portugal, do qual ficou com uma opinião bastante agradável. Isso não o impediu de escolher um outro reino - Espanha - como local de acção das suas aventuras amorosas. É curioso que a política do Rei (de facto de Pombal) encontra em Fiodor Emin grande consideração. O Portugal Pombalino, apesar da inexistência de ligações formais e da distância geográfica, estava presente na Rússia. O absolutismo Russo tinha entre os portugueses admiradores fervorosos, desejosos que o seu país tirasse lições da experiência russa, entre os quais estava também o já referido Dr. Sanches.

A sua própria carreira na Rússia não terminou da melhor forma: por suspeita, pelos vistos, sem motivo, de seguir secretamente o judaísmo, Sanches foi expulso pela rainha Elisabete da Academia Imperial de Ciências e privado da reforma. No entanto, continuou a ser grande admirador de muitas facetas da civilização russa, desde os banhos russos a vapor - a que ele dedicou uma pesquisa especial traduzida em russo ainda em vida do autor - até à política de Pedro I.

Com a mediação de Sanches, a experiência da Rússia no ensino da juventude da nobreza, exerceu uma certa influência nas experiências pedagógicas do Marquês de Pombal. Todavia, a interpretação geral do absolutismo russo, dada pelo Dr. Sanches e mantida até aos nossos dias, é a mais importante. Este português considerava que, a enorme vantagem da monarquia russa, era a sua capacidade em confrontar as pretensões exageradas da igreja, o que, na sua opinião, não existia de todo no Reino Português. Sanches não considerava Portugal um país independente, mas sim uma colónia do Vaticano.

A inexistência quase total de intolerância religiosa e de ardor missionário, que obrigavam os países católicos a destruir muitas vidas e a gastar somas enormes na corrida à conversão os “infiéis”, eram outras das vantagens da civilização russa.

Ainda antes do Marquês de Pombal chegar ao poder, já o Dr.  Sanches, que vivia na Rússia desde 1731, tentara atrair a experiência russa para a solução de um dos problemas mais dolorosos do seu país - os “novos cristãos” - descendentes da população judaica de Portugal, forçada a converter-se ao cristianismo no final do Século XV, uma casta com poucos direitos e perseguida pela Inquisição. Sanches ficou impressionado com as medidas enérgicas tomadas, a fim de resolver a “questão ritual antiga” russa. O mais importante nessa política, muito idealizada por Sanches, foi o fim do isolamento dos grupos de crenças antigas e a sua integração consciente. Por esse motivo o doutor português escreveu em 1735, nesse distante país, o opúsculo intitulado “Cristãos novos e Cristãos velhos em Portugal”. É difícil dizer se o Marquês de Pombal conhecia esses manuscritos, no entanto, passados quase quarenta anos, ele acaba com o problema dos “cristãos-novos”, utilizando métodos radicais das crenças antigas.